6 poemas para o Dia da Mãe
Poema à Mãe
Eugénio
de Andrade
No
mais fundo de ti
Eu
sei que te traí, mãe.
Tudo
porque já não sou
O
menino adormecido
No
fundo dos teus olhos.
Tudo
porque ignoras
Que
há leitos onde o frio não se demora
E
noites rumorosas de águas matinais.
Por
isso, às vezes, as palavras que te digo
São
duras, mãe,
E
o nosso amor é infeliz.
Tudo
porque perdi as rosas brancas
Que
apertava junto ao coração
No
retrato da moldura.
Se
soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez
não enchesses as horas de pesadelos.
Mas
tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste
que as minhas pernas cresceram,
Que
todo o meu corpo cresceu,
E
até o meu coração
Ficou
enorme, mãe!
Olha
- queres ouvir-me? -
Às
vezes ainda sou o menino
Que
adormeceu nos teus olhos;
Ainda
aperto contra o coração
Rosas
tão brancas
Como
as que tens na moldura;
Ainda
oiço a tua voz:
Era
uma vez uma princesa
No
meio do laranjal...
Mas
- tu sabes - a noite é enorme,
E
todo o meu corpo cresceu.
Eu
saí da moldura,
Dei
às aves os meus olhos a beber.
Não
me esqueci de nada, mãe.
Guardo
a tua voz dentro de mim.
E
deixo as rosas.
Boa
noite. Eu vou com as aves.
Eugénio de
Andrade
***«»***
Porque os outros
se mascaram mas tu não
Sophia
Mello Breyner Andresen
Porque
os outros se mascaram mas tu não
Porque
os outros usam a virtude
Para
comprar o que não tem perdão.
Porque
os outros têm medo mas tu não.
Porque
os outros são os túmulos caiados
Onde
germina calada a podridão.
Porque
os outros se calam mas tu não.
Porque
os outros se compram e se vendem
E
os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque
os outros são hábeis mas tu não.
Porque
os outros vão à sombra dos abrigos
E
tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque
os outros calculam mas tu não.
Sophia Mello
Breyner Andresen
***«»***
Ontem e hoje,
Mãe!
Maria
Azenha
Mãe,
ainda
que na Árvore da Vida habites,
sinto
a ausência dos teus beijos.
O
nosso amor é como um vaso de leite derramando branco
nas
nuvens.
As
células do nosso corpo,
pequeníssimas
estrelas,
comungam
todas da mesma revolução.
Mãe,
a
comunhão é um estado de autoconhecimento.
e
a matéria veste-se para o Inconsciente:
primeiro,
sono.
depois,
sonho.
por
fim,
rendição.
Tu
és Deus, e eu também.
Quando
te chamo, avanças
quatro,
cinco,
seis
mil anos.
Quando
entramos em sintonia com os astros
sentimos
a alegria do comunismo
das
árvores em tuas mãos.
A
Vida é um hiper-estado de consciências.
Os
crimes são anti-humanos.
As
formigas, radiogaláxias que estabelecem comunicações
através
das suas pequenas antenas.
Os
poetas fazem parte desta sociedade de partículas.
Mãe,
as
últimas ondas de luz do universo
transformaram-se
em humildes campos terrestres.
Mãe,
não
consigo dividir-me por zero.
Tudo
está em expansão, quero dizer:
cada
vez mais próximo dum ponto central.
Cada
centro do espaço
é
um novo projecto.
E
a luz, a harpa de Thales,
que
um dia disse: " Tudo está cheio de Deus".
Eu
digo, deus ou deuses
porque
as nossas almas são partículas enraizadas nos céus.
Sabes
como os asteróides representam a mesma dança – são eles isotrópicos.
Cantam
a Incriação.
E
eu entro no câmbio,
-
colho as sementes do espaço que não mais
existem
no zero.
Ontem,
tornei-me
photograficamente um quantum.
Alguém
disse: " Vieste do Improvável e vais para o Improvável".
Movimentamo-nos
em campos de energia. Dançamos.
Deles
brota a sagrada estrela da Harmonia.
Mãe,
dizem
os índios:
"Se
temos um coração bom quando dançamos,
então,
chove."
maria azenha
***«»***
Mãe...
Sónia M
(...) Mãe
não te canses ainda.
Continua a ouvir meu desabafo.
Limpa minhas lágrimas puras,
de um sofrimento
que em mim não finda.
Envolve-me com o teu abraço ternura.
Aquece-me a alma no teu peito.
Olha-me com esse teu jeito
de que a infância para sempre dura.
(...)
Sónia
M
***«»***
Sem
Título
Maria Gomes
De onde te escrevo, resignam-se as
árvores
as inextinguíveis árvores que ouvíamos
rezar
e o sol sem ninguém, a sombra híbrida, a
vida…
é por isso que eu ando por dentro do coração
das coisas, mãe.
Tenho, agora, o meu rosto no sangue,
pugna o mais breve pássaro que aprovou o
silêncio.
com a dor que sinto,
como um círio extinto dou-me à terra
duradoura,
deflagram os longínquos rios quando o
sol se apaga.
Outrora, a paisagem era a lisura da
espuma,
tecia-lhe os olhos. vinha à boca o trigo
íngreme das marés.
e tudo aquilo era vertiginoso, tranquilo
–
uma mulher largava o linho anil
e ele trazia-nos todas as rosas, mãe.
Mariagomes
***«»***
Mãe
Alexandre de Castro
Naquele último momento
tentaste confessar-me um segredo,
um segredo qualquer
guardado uma vida inteira
e que eu não entendi
porque a tua fala desesperada
ficou suspensa
nos lábios imobilizados.
Só os teus olhos alarmados
mexiam de ânsia e medo.
Mas não sei se seria realmente um
segredo
o que me querias dizer
ou apenas um último lamento
ou até, quem sabe,
a recordação daquelas tardes de Junho,
quando ainda era criança,
em que te deitavas comigo
(enrolados num cobertor de papa)
com medo das trovoadas.
- É Deus que está a ralhar – dizias-me,
enquanto me apertavas com carinho,
para me proteger.
Talvez, também, quando me perdi de ti,
por um breve instante,
e perguntei, depois de te reencontrar,
se eras realmente a mesma mãe,
se não eras outra, igual à primeira,
de um mundo que, por momentos,
eu imaginei duplicado, em coisas e
pessoas,
e que agora sei que não existe,
porque tu já morreste
e eu não vejo nem tenho outra mãe.
Alexandre
de Castro
Lisboa, Maio de 2007
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